Lingua Ferina, cérebro obtuso

Já está provado que nossas palavras têm mesmo muito poder, e quanto mais íntimo for o relacionamento entre duas pessoas, maior será esse poder. O vínculo emocional faz com que seja muito difícil para alguém desprezar os insultos de um amigo, cônjuge, pai, mãe, filho, ou patrão (difícil, mas não impossível). A verdade é que nem todos têm esse poder sobre nós. Ninguém se ofende, por exemplo, com os latidos irados de um cachorro, os xingamentos de um bêbado ou de um louco da esquina, mas se magoa com frases impensadas ditas por pessoas do circulo mais íntimo. Essa diferença é evidência de que Deus nos deu alguma capacidade de escolher, nem sempre conscientemente se vamos aceitar ou não as ofensas, insultos ou abusos verbais que nos são dirigidos. Como ensina um conto oriental, quando você não aceita um presente, ele continua nas mãos de quem o oferece.

Se, por um lado, nem sempre podemos escolher aquilo que vamos ouvir da boca de outros, por outro, temos uma tremenda responsabilidade diante de Deus em relação àquilo que sai de nossa própria boca. Cristo disse que “de toda a palavra frívola que proferirem os homens, dela darão conta no dia do juízo”. E acrescenta: “Por tuas palavras serás justificado, e pelas tuas palavras serás condenado” (Mt 12:36, 37). E por que Deus considera esse assunto com tanta seriedade? Porque através de nossas palavras podemos transmitir ideias que serão como que materializadas na mente de quem as escuta. É um processo físico mesmo.

As ideias sempre precedem as palavras. E uma ideia é sempre um caminho percorrido por um impulso elétrico, que passa por uma sequência de neurônios, através das sinapses. Hoje se pode determinar inclusive que região do cérebro está sendo afetada por determinada ideia. E ideias diferentes percorrem caminhos diferentes. Numa linguagem muito simplificada, poderíamos dizer que cada vez que uma mesma ideia percorre seu caminho, faz com que haja um aumento de calibre desse caminho, facilitando o trânsito.

As ideias – que são reações químicas que ocorrem fisicamente no cérebro de quem as concebe -, por incrível que pareça, podem ser transferidas, através da fala e da audição, para o cérebro de quem as ouve. E sempre que uma ideia passa pelo cérebro de alguém, ela o altera quimicamente, de maneira definitiva. Nunca mais esse cérebro será o mesmo. Por meio dos processos de memória, a informação fica lá, gravada, e não pode jamais ser tirada dali. Outra ideia poderá um dia até se tornar mais forte do que a primeira, mas uma informação, uma vez colocada para dentro do cérebro, sempre estará lá, de alguma forma influenciando as ações, decisões e reações da pessoa.

No livro Mente, Caráter e Personalidade, Ellen G. White diz inclusive que ao darmos expressão a ideias de desânimo, frustração ou raiva, por exemplo, essas palavras ouvidas pela própria pessoa que as disse atuam de forma reversa, aumentando o sentimento que lhes deu origem.

Como “água mole em pedra dura, [que] tanto bate até que fura”, ideias repetidas podem, de certo modo, “furar” um cérebro, ou derrubar suas barreiras. Um exemplo extremo desse conceito é a utilização de técnicas de lavagem cerebral que, através da repetição e da sutileza, utilizando recursos subliminares ou não, procuram fazer com que pessoas pensem e ajam de acordo com padrões pré-determinados.

Os psicólogos hoje, falam também das profecias auto-realizadoras, que é um processo através do qual você tem o poder de, pela repetição, como que programar a reação futura da outra pessoa. Isso pode ser utilizado tanto para o bem quanto para o mal. Vou dar um exemplo: um pai pode viver dizendo que o filho é uma pessoa boa ou responsável, baseado não tanto nas evidencias atuais, naquilo que ele está observando na vida do filho, mas na visão que ele tem para com o futuro do filho, ou seja, baseado naquilo que ele deseja que o filho seja. E normalmente isso vai se realizar.

Mas se ele fica sempre dizendo que o filho não presta, que é preguiçoso, etc., as chances de que isso também aconteça são grandes. É por isso que o marido que fica dizendo que a esposa é deselegante, que se veste mal, que já passou da idade, etc., não vai poder esperar mesmo outra coisa dela, porque, como li certa vez, “se tratarmos as pessoas como são, não podemos ajudá-las a se tornarem naquilo que poderiam ser”. Na verdade, o princípio da profecia autógena afirma que nós escolhemos se profetizamos o fracasso ou o sucesso das pessoas com quem nos relacionamos. E o incrível é que quase sempre a gente acerta!

É nesse sentido que nossas palavras também têm o poder de criar ou destruir, e podemos por meio delas escolher participar, ou com o Criador no processo de construir, ajudar animar, melhorar a outros, ou com Satanás, humilhando, derrubando, piorando, destruindo e criticando. E, nesse caso, a sinceridade pode até ser utilizada como desculpa para aplacar a consciência de quem arrebenta com a vida dos outros com suas palavras.

Sinceridade não é simplesmente falar tudo o que se pensa, de qualquer jeito, mas também é pensar tudo o que se fala. Quem fala tudo o que quer, do jeito que quiser, vai acabar colhendo da vida o que não quer. Um velho ditado dizia mesmo que “uma língua ferina e um cérebro obtuso, normalmente se encontram na mesma cabeça”!

Outra virtude invocada por esses destruidores da vida dos outros, além da sinceridade, é a veracidade. Essas pessoas imaginam estar certas porque pensam que estão dizendo a verdade a respeito de outra pessoa. Mas a verdade é apenas uma das peneiras que deveriam servir de critério para escolhermos o que dizer ou não a respeito dos outros. O fato de que algo seja verdade não é suficiente para que deva ser dito. Para que um juízo ou uma ideia sobre alguém saia de nossa boca, além de verdadeira, deveria ser também bondosa, e necessária. Se uma ideia não for, digamos, “do bem”, ou se não for necessária, jamais deveria baixar do cérebro para a língua, ainda que fosse verdadeira.

Tanto a verdade como a sinceridade são virtudes imperfeitas, quando estão sozinhas. Elas precisam da bondade, da santidade, da cortesia e do amor para se tornarem completas.

É por isso que Paulo afirma na carta aos Efésios (4:29): “Não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe, e sim unicamente a que for boa para edificação, conforme a necessidade, e assim transmita graça aos que ouvem.”

Que Deus faça hoje de sua boca uma benção para os que o(a) rodeiam.

Marcos Faiock Bomfim