Os  Outros
 
Graça Craidy
 
Não canso de me surpreender, toda vez que me dou conta do quanto as 
pessoas pensam diferente umas das outras. Do quanto cada olho é único, 
primitivo e original, na labuta de traduzir a própria percepção. Lembro 
da velha fábula dos cegos passando a mão num elefante, cada um 
interpretando o bicho à sua maneira." É fininho e curto", diz o que 
apalpou o rabo. "É redondo e grosso", garante o que tocou a tromba. 
Todos eles certos, do seu ponto de vista, todos parciais, do ponto de 
vista do elefante. Uma questão de onde você coloca a câmera e com que 
repertório avalia o que vê. Se o seu repertório é amplo, cheio de 
olhares guardados, certamente você vai ver muitas coisas, como o Pequeno 
Príncipe do Saint-Exupery enxergava lindos significados num borrão 
mal-desenhado. Se o seu repertório é limitado, você quase sempre vê as 
mesmas coisas. Tudo lhe ronca igual.
Um dia um colega partilhou comigo a sua genial descoberta, que mais 
tarde descobri ser também a opinião do psicanalista Lacan: "As pessoas 
não ouvem, Graça, as pessoas in-ter-pre-tam." Ri muito, na época, e, 
hoje, cada vez que topo com mal-entendidos, me vem à mente a frase dele. 
Mal-entendido, não: interpretação!
 
Por sinal, uma das coisas boas de a gente ficar mais velha é entender 
que boa parte do tempo as pessoas não agem contra seus interlocutores, 
mas simplesmente porque são o que são. Isto é, nada pessoal. O sujeito 
que esbraveja por qualquer dá-cá-aquela-palha, a criatura que não 
devolve sorrisos, o indivíduo que enrijece o corpo na hora do abraço, a 
fulana incapaz de usar aquelas quatro expressõezinhas básicas por favor 
- com licença - desculpe - muito obrigada, me responda sinceramente: o 
problema é deles ou é seu? Claro que é deles! Como diria o Simpson do 
desenho animado: "Não fui eu. Já estava assim quando eu cheguei!"
 
Bem a propósito, o filósofo francês Jean-Paul Sartre alertava: "O 
inferno são os outros". Ora, se todos nós, em algum momento, somos o 
inferno do outro, melhor aprender de uma vez por todas a tourear os 
demônios que nos habitam. E a primeira coisa que a gente devia se propor 
é não ficar ofendido porque o outro pensa diferente. Afinal se cada um 
tem a sua cabeça, única, pessoal e intransferível, deveria inclusive ser 
natural emitir a própria opinião. Não a do outro. E desse respeito mútuo 
e desofendido, quem sabe quantas novas trocas?
 
A verdade, enfim, é uma só: pensar diferente não é ofensa nem desamor. 
Mas, apenas isto: pensar diferente. Entendeu, querido leitor? Ou 
interpretou?

 


Postado por aponarte no Para pensar e sentir em 7/15/2008 02:20:00 PM